segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

Eternamente


Sou aventureira. Meu canto é o mundo. Sou fiel escudeira do vento e sua mutabilidade. Meu canto é liberdade. Meu amor é realidade. Minha realidade é fantasia. Minha fantasia é invisibilidade.

Sou canção surda. Sou visita distante. Sou agora em antiguidade. Sou passo silencioso sobre folhas de outono. Porque sou o despertar das estações. Sou disfarce de emoções. Viagem entre dimensões.

Sou a vida de quem sonha. Sou as fases, os planos e as canções. Meu sopro é sentimento. Minha dor é à prova de lágrimas. Meu saber é pouco. Meu tudo é pouco.

Sou infinito e bagunça. Sou o desabrochar de algo novo. Sou tudo de novo. Sou a expectativa do amanhecer. Sou o crescer da derrota e o sabor da vitória.

Sou de longe o que deveria ser. Sou de perto o que preciso ser. Sou ser e sentir. Meu sorriso é mensageiro. Meu olhar é calmaria. Minha raiva é o éter. E o meu gosto é impossível.

Sou a lentidão de um segundo. Sou a amargura do mel. Sou desastre no vácuo. Sou inexistente. Sou indiferente. Sou imprecisão.

Sou questão. Sou cifras. Sou perfume. Meu cobertor é relva. Meu pensamento é cina. Minha luz é relâmpago. Minha certeza é fraca. Meu devagar tem alcance. Meu toque é por acaso. Minha janela é para o universo. Meu jardim é galáxia.

Sou caminhar inconstante e minha condição é eternidade.

quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

Boa Noite


Quando está escuro todos os medos se aproximam e não importa mais a idade. 

O ritual se repete todas as noites e, todas as noites, sempre que apago as luzes e sinto que a velocidade da escuridão pode ser tão rápida quanto a velocidade da luz, em algum lugar dentro de mim eu sei que devo me desesperar e esperar pelo pior. 

É à noite que a frio é mais intenso, que o escuro é mais intenso, que o medo é mais intenso. Posso não enxergar nada, mas sei que algo está ali, espreitando perto do guarda-roupa ou embaixo da cama, esperando que eu deite e adormeça para agir. Ou talvez espere só que eu me afaste do interruptor e caminhe até a cama. 

Então começo a me acostumar e meu olhos captam o mínimo de luminosidade que existe. 
E começo a perceber as sombras. E começo a perceber o movimento das sombras. E começo a perceber a proximidade das sombras. E começo a perceber que devo temer as sombras. 

O cobertor é único que pode me esconder, mas ele não camufla o cheiro do meu medo. E você sabe que todas as criaturas amaldiçoadas a viverem na escuridão podem sentir o cheiro de medo e se alimentam disso. Elas se aproximam de mim enquanto eu estou completamente coberta e respiram a poucos centímetros da minha face. E eu posso sentir o incomparável hálito frio desses seres. Eu posso senti-los se alimentando do meu medo durante toda a noite, me observando sobre o lençol. Eu não durmo, não posso me arriscar a baixar a guarda. É isso que eles querem. Querem levar-me para o lugar de onde vieram. 

Dormir é privilégio dos corajosos. Ou dos que têm um abajur. Para mim dormir é um sacrifício e eu o evitarei. 
Dormir é ficar vulnerável aos pesadelos.

sábado, 12 de janeiro de 2013

Saudade


Antes eu pensei que o que eu sentia era medo. Medo de que eu esquecesse você ou você me esquecesse. Medo de que quando nos encontrássemos nada fosse do mesmo jeito, que não houvesse mais nenhuma ligação entre nós. 

Depois eu pensei que o que eu sentia era raiva. Raiva por você ter me deixado sozinha. Por ter me deixado para trás. Raiva por você preferir ficar o mais longe de mim que pudesse. 

Não estou acostumada a sentir saudade. Desde pequena todas as pessoas importantes para mim se distanciavam sem motivo aparente. Todos estavam sempre longe do meu alcance e do meu abraço, então... Eu não sei como agir. Não sei demonstrar saudade. Aliás, isso nem faz sentido para mim, afinal... Você vai voltar, não vai? Não vai? Eu não consigo encontrar nada lógico em sentir saudade. Se a pessoa se foi, ela se foi e pronto. Pessoas são livres para ir e vir a qualquer momento e é o que elas fazem. Eu sou defensora da liberdade, não seria hipocrisia da minha parte querer todos ao meu redor, perto de mim? 

Do meu ponto de vista a saudade não passa de um sentimento mimado, que foi acostumado desde sempre a ter tudo que quer a hora que bem entender e que, quando não consegue, faz birra. É isso.

Então você imagina que não foi nada fácil para mim admitir que sinto a sua falta, que sinto saudade e que quero você perto de mim de novo. Sempre e sempre. 

Não sei como acontece com as pessoas que sempre tiveram todos os sentimentos, mas eu ainda sou nova nisso. Preciso de calma, tolerância e abraços. 

Calma para o meu medo. 
Tolerância para a minha raiva.
E abraços para a minha saudade. 

domingo, 6 de janeiro de 2013

Espelho das Almas


Uma casa pequena, coberta por plantas, que cresciam como se nem notassem a construção. Debruçada sobre uma pequena janela aberta, seus ombros tremiam. Os soluços eram baixos. O vazio era profundo. A tristeza era sem tamanho, impossível de não ser notada nos olhos mais claros do mundo. O transparente dos olhos dela não mostravam o que havia atrás, mas o que havia dentro. Dentro dela. Dentro de quem olhasse diretamente para eles. 

Ela nasceu assim, com esses olhos incomuns. Olhos difíceis de se adjetivar, comparar ou descrever. Olhos cor de espelho, que viam o mostravam almas. 

Ela estava acostumada a ver tudo. Ela via tudo. Mas a única coisa que ela realmente queria ver, estava longe do alcance da sua visão. Desde que vira outros olhos, aqueles olhos, pela primeira vez agradeceu o dom da visão. Olhos pretos como a pupila de um gato, pequenos e estreitos num formato que lembrava um grão de arroz. Ela só queria ver esses olhos mais uma vez. Mas eles tinham se fechado para sempre. Ela nunca mais o veria. 

Ela se sentia incompleta e chorava a certeza de nunca mais se completar. 

Uma rajada de vento entrou pela janela. Derrubou potes e panelas das prateleiras, vasos e tigelas da mesa e bagunçou mais do que seus cabelos e sua casa. O vento zumbiu em seus ouvidos e, por um instante ela ouviu alguma coisa. Corra até o rio. Baixo como um sussurro. 

Sem pensar duas vezes ela abriu a porta e correu colina abaixo sob um céu azul com poucas nuvens. O sol brilhava mais forte lá fora e parecia estar feliz por vê-la. Chegou no rio ofegante e olhou ao redor a procura de alguma coisa. Qualquer coisa. Qualquer sinal. Nada. Desanimada abaixou os olhos e viu o seu reflexo na água. 

Ela nunca tinha visto o seu reflexo antes. Nunca tinha visto os olhos mais famosos das lendas e histórias que cercavam o seu mundo. O Espelho nunca tinha se visto. 

Primeiro viu os seus cabelos pretos, lisos e longos por nunca terem sido cortados. Depois viu a sua pele pálida e macia como talco. E depois... Ah... Depois ela ajoelhou, segurou os cabelos com uma das mãos e se apoiou em outra. Então ela olhou direta e profundamente dentro do reflexo dos seus próprios olhos na água. 

O tempo parou e ela se sentiu mergulhando dentro do rio. Sentiu a água gelada consumindo-a por todos os lados. Ainda assim podia respirar. Ela flutuava lentamente em direção à uma escuridão tão negra e hostil que não permitia que nem mesmo uma fagulha brilhasse. Não permitia que o chão fosse visto, se é que ele existia. Não permitia que a vida fluísse como o rio. A escuridão engolia a luminosidade dentro dela cada vez mais. Aos poucos sentiu a fraqueza tomando-a friamente e não tentou resistir. Aos poucos sentiu o temido abraço da morte levando-a para um lugar de onde ela nunca mais sairia. 

Milésimos de segundos antes de fechar o olhos completamente ela sentiu algo puxando-a com toda a força para cima. Sentiu um abraço morno e adorável levando para a clareza da superfície. Cada vez mais aproximando-a de lá, onde existia vida e esperança. Sentiu seus olhos encherem de lágrimas até elas escorrerem pela sua face. Escorrerem? Ela não estava em um rio. Estava no mundo das almas. No mundo onde os vivos não podem entrar e retornar. No mundo onde não existe vida. Mas ainda existe amor. 

Eu nunca vou te deixar.

Ele havia salvado ela. Havia resgatado ela da morte. Não apenas salvou sua vida: resgatou a sua alma. A trouxe de volta e a preencheu novamente.

Despertou sobre janela com o sobressalto. Olhou ao redor; estava de volta em casa. Não foi um sonho. E o vento forte confirmava. Ele ainda estava com ela. Por entre o vento.

Viva!